"Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os encrenqueiros. Os que fogem ao padrão. Aqueles que vêem as coisas de um jeito diferente. Eles não se adaptam às regras, nem respeitam o statusquo. Você pode citá-los ou achá-los desagradáveis, glorificá-los ou desprezá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Eles empurram adiante a raça humana. E enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como gênios. Porque as pessoas que são loucas o bastante para pensarem que podem mudar o mundo são as únicas que realmente podem fazê-lo."
O texto acima foi escrito por Jack Kerouac, autor norte-americano que se consagrou com o romance On the Road, lançado em 1955. O livro, que conta a história de dois jovens numa longa viagem pelos Estados Unidos, foi consagrado como a bíblia da geração beatnik. Mas eu confesso que não conheci o texto citado lendo a obra do escritor: eu o ouvi, e me encantei com ele, ao assistir a um comercial da Apple.
Nessa propaganda, as palavras de Kerouac são recitadas enquanto se sucedem na tela as imagens de Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Malcom X e outros personagens que tiveram papel fundamental nas profundas transformações do mundo durante o século 20. O mote da propaganda é estimular as pessoas a "pensarem diferente" – a frase "think different" é o slogan da Apple.
Claro que o objetivo do comercial é estimular o público a "pensar diferente" na hora de comprar um novo equipamento de informática, trocando os sisudos desktops tradicionais pelas estilosas máquinas Macintosh. Mas o texto extrapola os limites da publicidade. E, ao assisti-lo, comecei a pensar que nós, pessoas que hoje se engajam na luta por um mundo vegetariano – menos violento e mais ético, menos egoísta e mais harmonioso – somos os loucos capazes de alterar os rumos da raça humana.
Individualmente, nenhum de nós é um Gandhi ou um Martin Luther King. Porém, quando nos unimos, nos tornamos fortes. Poderosos. Capazes de grandes realizações. O simples fato de não nos adequarmos como cordeirinhos à ditadura de um mundo antropocentrista e especista já é sinal de que estamos dispostos a pensar diferente. E quando nos mobilizamos em protestos, ou nos empenhamos em produzir materiais informativos para levar a mensagem do vegetarianismo a um maior número de pessoas, estamos desempenhando, sem medo algum, o papel de loucos dos tempos modernos.
Talvez tenhamos de correr muitas estradas pelo mundo, como as personagens do livro de Kerouac, para falar das coisas em que acreditamos, dos nossos sonhos e das nossas convicções. E o mais doloroso é que, provavelmente, não teremos o prazer de ver nossas palavras-semente produzirem frutos. Para não nos frustrarmos, é essencial lembrar que não há nenhum problema nisso: Malcom X, por exemplo, foi assassinado no auge de sua luta, bem antes de ver suas ideias proliferarem. Mas, em seu breve tempo nesta Terra – ele morreu aos 40 anos – soube fazer a vida valer a pena. E nós? Estamos fazendo tudo o que podemos? Se temos esse potencial transformador imenso, por que não nos colocamos mais e mais a serviço das causas que acreditamos e defendemos?
Todos os dias, acordo com a certeza de que tenho muito a oferecer e construir, mas me deixo enredar por uma série de tarefas, deveres, obrigações, que me consomem e me afastam do que importa de verdade. Para ter o dinheiro do aluguel ou da ração dos cachorros, dedico horas preciosas ao trabalho cotidiano, roubando o tempo que deveria ser dedicado à disseminação de novos paradigmas.
Não falo só de divulgar para o mundo os benefícios de uma alimentação vegetariana. Há muito mais a mostrar, a difundir. Precisamos combater a cultura utilitarista que enxerga os animais como meios de produção, e não como seres vivos, relegando-os a condições miseráveis de vida e de morte. Explorados pela ciência, pela indústria do entretenimento, pelo mercado de pets, pelo mundo da moda ou pelas religiões que preconizam sacrifícios, os animais são as grandes vítimas da história deste planeta. As ameaças que os encurralam são de toda sorte: dos desastres ambientais que ameaçam a sobrevivência de espécies inteiras às pequenas atividades do dia-a-dia que os sujeitam às piores vilezas, o fato é que os animais têm pagado o preço da nossa ambição, da nossa mesquinhez.
Porém, enquanto me acomodo ao meu cotidiano pobre e comezinho, sei de grandes e admiráveis "loucos" que se arriscam para defender os direitos dos animais. No mundo inteiro, ativistas promovem ações diretas, viajam de um país a outro falando de libertação animal e resistem às pressões. Alguns vão presos, outros singram os mares sem fixar residência. Em uníssono, acreditam que podem mudar o mundo. E – tenho certeza disso – conseguirão mudá-lo.
Nós estamos a um passo de contribuir de maneira efetiva para essa luta. Quando começamos a abrir mão dos alimentos, das roupas, dos cosméticos, das diversões e de outros tantos detalhes que compõem o amplo espectro do statusquo, já estamos ajudando a desenhar um novo cenário para a humanidade. Mas podemos ir além. Os horizontes são amplos e é possível ultrapassá-los. Podemos, por exemplo, escrever e espalhar mensagens, sem nos envergonhar de sermos "diferentes". Melhor ainda: podemos nos orgulhar de nossas diferenças.
Em tempo: o executivo todo-poderoso da Apple, Steve Jobs, é vegetariano, e teve participação direta na elaboração do comercial que me trouxe inspiração para este artigo.
Sim, Jobs é especial, e coloca sua inteligência e criatividade a serviço das empresas que gere. Mas nós também somos especiais. Afinal, como nos atrevemos a acreditar que somos capazes de mudar o mundo, fazemos parte de um grupo seleto, que tem a coragem e a ousadia necessárias para empreender grandes transformações.
Fonte: Revista dos Vegetarianos
Me arrepiei com esse texto, lindo, forte, que leva à reflexão. Obrigada por compartilhar.
ResponderExcluirMaria
Concordo, Maria, esse texto é realmente muito bom... Abraço!
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