A carioca Natália Chede é nutricionista e vegana. Formada pela universidade Santa Úrsula no Rio de Janeiro, ela cursa especialização em nutrição clínica funcional.
Sua preocupação com os aspectos éticos, de saúde e, em especial, de sustentabilidade relacionados à alimentação, levaram-na a fazer parte da SVB – Sociedade Vegetariana Brasileira, onde integra o Departamento de Medicina e Nutrição e coordena o Departamento de Culinária.
Morando atualmente em Curitiba, atende pacientes em programas nutricionais, ministra cursos de culinária e palestras em diversos eventos, além de ser uma das idealizadoras da primeira Feira Vegetariana de rua do país. Mas ela faz mais do que só promover o veganismo. Ela pratica a sustentabilidade pois entende que é possível ser sustentável e se alimentar sem exploração animal, com reduzido impacto ambiental e de forma saudável.
A cozinha e a área de serviço do apartamento da nutricionista são exemplos de atitudes sustentáveis e de baixo custo. Lá são cultivadas hortaliças orgânicas, são germinadas sementes, há embalagens e sacolas reutilizáveis para as compras, preferência absoluta por alimentos orgânicos e a mais nova aquisição tecnológica: uma composteira para lixo orgânico, que atualmente já é uma realidade em vários países da Europa e que é fator fundamental para a solução dos resíduos sólidos nos centros urbanos.
Natália desenvolve pesquisas sobre alimentação e sustentabilidade que pretende publicar em livro e fará palestra no 2º Salão Vegetariano de São Paulo. Ela também é presença confirmada entre os palestrantes do 12th International Vegan Festival, que acontecerá na PUC-Rio, entre os dias 22 e 25 de julho deste ano. O evento reunirá grandes nomes da causa vegana do Brasil e do mundo.
Nesta entrevista exclusiva à jornalista Cynthia Schneider, da ANDA, ela fala sobre seu interesse pelo veganismo, a sustentabilidade ambiental e os efeitos da opção alimentar para a saúde humana.
ANDA – Como começou a se interessar pelo veganismo?
Natália Chede – Eu optei pelo vegetarianismo quando li um livro sobre a vida sentimental dos animais. Mas na faculdade de nutrição havia uma pressão enorme para o contrário. Eu fiquei insegura até que comecei a participar de congressos sobre o tema. Fui ao Congresso Mundial de Vegetarianismo em Santa Catarina e depois ao I Congresso Vegetariano em São Paulo, em 2006, onde tomei contato com a SVB – Sociedade Vegetariana Brasileira. Até este momento o vegetarianismo era uma escolha só minha. Foi a partir destes eventos que eu vi que poderia trabalhar nesta direção. Comecei a fazer contatos com a SVB e virei vegana. Porque chega uma hora em que, se você é vegetariano pelos animais, não tem mais desculpa. É incoerente não se tornar vegano. Depois eu vim para Curitiba, procurei o grupo da SVB, comecei a participar das reuniões e colaborar na realização de atividades para divulgação do vegetarianismo.
ANDA – Como surgiu seu interesse pelo tema veganismo e sustentabilidade?
Natália Chede – Meu interesse maior surgiu quando eu tive contato com a permacultura e com as ideias de agroecologia. Eu já sabia o que era, mas não era algo presente na minha vida. Depois que eu conheci isto, vi que é algo para o nosso dia-a-dia. O discurso comum sobre defender a Amazônia, por exemplo, faz aquela separação entre a pessoa e o meio ambiente. Eu comecei a perceber que o vegetarianismo e o veganismo eram apenas o primeiro passo. Até porque é possível ser vegano e não necessariamente ser sustentável. Ser vegano contribui com uma parte, mas tem muitas outras intervenções que você pode fazer. Eu não digo também que eu faço todas. Eu descobri com a permacultura que o veganismo é apenas um passo. Há toda a questão do lixo, do lixo orgânico, lixo não orgânico, tudo isso. Na verdade o veganismo é uma maneira de viver de forma mais sustentável, mas não é a única.
ANDA – As pessoas estão mais conscientes sobre o impacto do consumo alimentar no meio ambiente?
Natália Chede – Acho que ainda estão muito pouco conscientes na questão da alimentação. As pessoas estão mais conscientes do impacto que a gente faz no meio ambiente, mas ainda dificilmente relacionam isto com a alimentação. A gente sempre vê alguém comentando sobre meio ambiente, sobre aquecimento global, mas é muito difícil alguém comentar sobre os hábitos alimentares. E isto é algo que as pessoas têm que mudar primeiro, porque é algo que a gente faz todo dia, três vezes por dia. A alimentação envolve muita coisa, que vai desde o que você come até o destino que você dá ao lixo. As pessoas não prestam muita atenção na cadeia do alimento, como ele chega até a mesa, eu não vejo muito esta consciência não. O que está melhorando um pouco é na questão da saúde, há uma preocupação maior do impacto da questão alimentar, mas não na relação entre alimentação e meio ambiente. Esta é justamente a proposta que faço com a minha pesquisa: como alguém pode ter um corpo saudável se contribui para algo que está destruindo e adoecendo o planeta?
ANDA – O que as pessoas podem ou devem fazer para diminuir o impacto ambiental da alimentação?
Natália Chede – Basicamente a pessoa deve ter uma alimentação vegana. Mas se você tem uma alimentação vegana e só se alimenta de produtos industrializados que geram lixo, e muito lixo contaminado inclusive, além de fortalecer as monoculturas, também não estará sendo sustentável. É importante consumir alimentos orgânicos, reduzir o consumo de produtos industrializados, consumir o máximo possível de produtos orgânicos e locais. Além disso, é importante saber aproveitar bem os alimentos todos, como a casca de banana. Ser responsável com a variedade de alimentos que se come também é um caminho para a sustentabilidade. A mania de comer uma quantidade imensa de produtos diferentes na mesma refeição gera um desperdício enorme. A gente precisa ter uma variedade na alimentação, mas ao longo dos dias, não tudo no mesmo prato, na mesma refeição.
ANDA – Por que alguns médicos e nutricionistas resistem à adoção de uma dieta vegetariana estrita? Há necessidades nutricionais humanas da manutenção da exploração animal para a alimentação?
Natália Chede – Na verdade isso é uma coisa que eu ainda não consegui entender. A informação existe e está disponível. Se eles pesquisarem vão encontrar, porque não tem restrição de informação sobre o assunto. Eu acho que o problema é cultural. As pessoas simplesmente não se interessam em estudar. Geralmente quem é vegetariano é por algum motivo. Quem não é não tem comprometimento maior com sua forma de consumo. Uma vez eu participei de um debate numa rádio universitária e tinha um pessoal acompanhando a entrevista do lado de fora e que podia fazer perguntas. Um garoto disse o seguinte: “Vocês vegetarianos são uns hipócritas. Falam em defender um animal, mas comem lá a alface, a planta”. Eu disse o seguinte: “A gente respeita todas as formas de vida, mas você tem que entender que não é a mesma coisa”. Perguntei se ele tinha um animal de estimação e ele tinha um cachorro. Acrescentei: “Olha, em vez de criar um cachorro, porque você não cria uma alface? É a mesma coisa. Quando você chegar em casa a alface vai te amar, vai querer brincar com você”. Aí todo mundo que achava que era a mesma coisa reconheceu, nessa hora, que não é a mesma coisa. A pessoa é capaz de achar que feira de mudinhas de alface é como feira de adoção de animais…
ANDA – Há evidências e comprovações de problemas causados à saúde humana quanto ao consumo de leite e ovos?
Natália Chede – Não há restrição alguma à dieta vegetariana, com exceção da vitamina B12. E esta não é uma questão que está relacionada ao veganismo. Está relacionada ao nosso estilo de vida. A bactéria que produz a B12 vive no solo, e por esta razão os animais têm B12: porque eles comem as bactérias do solo. Daí produzem B12 no intestino, que estará presente nas fezes. O estilo de vida que as pessoas têm, sem acesso ao alimento, favorece a carência da B12. O alimento está lá no mercado, é esterilizado, a gente chega em casa e esteriliza de novo, não há mais contato com as bactérias. O problema não é o veganismo em si. O ser humano pode ser vegano. Só que o estilo de vida complica. Aí uma solução moderna para um problema moderno é a suplementação. E isto depende da pessoa. Tem gente que precisa da suplementação, tem gente que não precisa. Fora esta questão da B12, não existe nada que tenha que vir do reino animal que tenha de compor a alimentação. Sobre a questão da alimentação infantil, não precisa nem estudar, basta observar. Como povos como os indianos estão vivos? E a gente vê muito ainda a recomendação de médicos sobre o leite. Há muitas evidências e comprovações de prejuízos à saúde humana sobre o consumo de leite. E isto só do ponto de vista nutricional, sem considerar a questão óbvia de que o leite de outros animais não é um leite da nossa espécie. Hoje, a maioria das pessoas já tem algum grau de intolerância à lactose, pois não é um alimento adequado. Hoje em dia tem até evidências mostrando a introdução precoce do leite de vaca na alimentação com o desenvolvimento do diabetes tipo 1 em crianças. Muitos artigos científicos tratam deste tema. E isto acontece porque a proteína do leite é alergênica. O corpo do bebê não está adaptado para esta proteína, que é uma proteína muito grande, até molecularmente. Então o organismo passa a atacar esse elemento estranho. As células do pâncreas, que produzem a insulina, têm uma similaridade com esta proteína do leite. E aí o organismo passa a atacar até o próprio pâncreas, que produz insulina, e acaba por desencadear o diabetes. Quanto aos ovos, tirando a ética de campo, o grande problema é a contaminação por químicos e antibióticos. O ovo orgânico não faz mal nenhum à saúde. A associação com o colesterol é bobagem porque 70% é produzido no próprio organismo. Mas, claro, revendo uma postura ética, não devemos esquecer que um ovo é o óvulo da galinha.
ANDA – Uma dieta livre de ingredientes animais (carne, leite e ovos) pode ser adotada por qualquer pessoa, independentemente da idade?
Natália Chede – Sim, com certeza. Desde a gestação à velhice, passando por atletas. No site da ADA – Associação Dietética Americana, é possível encontrar diversos pareceres, um deles específico sobre a dieta vegetariana. Este documento mostra que a dieta é adequada em todos os ciclos da vida para a saúde. O departamento técnico da SVB fundamenta-se muito neste parecer. É ridículo um médico dizer que uma pessoa precisa comer carne. Eu não tenho mais nem vontade de discutir esta questão. Como pode tanta gente que vive sem comer carne e alguém dizer que é necessária? Não é.
ANDA – Quais as vantagens para a saúde de uma dieta vegana em comparação com a dieta onívora?
Natália Chede – A dieta vegetariana é muito mais saudável, sem gorduras saturadas, tem muito mais fibras, além de muito mais antioxidantes, que você só encontra em vegetais. Quem opta por consumir carne ou leite, está deixando de comer algum alimento vegetal que daria um aporte de antioxidantes muito maior. A maioria das doenças é causada, direta ou indiretamente, pela falta destes componentes no organismo. O leite é responsável ainda por problemas alérgicos e respiratórios. Eu tenho um grande exemplo disso no consultório. A maioria dos meus pacientes com rinite alérgica são grandes consumidores de leite. Doenças como a artrite também estão relacionadas com o consumo de laticínios e gorduras animais, que são gorduras inflamatórias, ao contrário das gorduras vegetais. Os problemas de saúde que mais matam atualmente são as doenças cardiovasculares, o câncer, o diabetes. Tudo isto é deflagrado pela alimentação rica em ingredientes animais. Nem tem mais o que discutir isso. Veja o próprio caso da obesidade. Qual é o médico que vai recomendar comer menos vegetais?
ANDA – Qual sua perspectiva com relação à tomada de consciência das pessoas sobre alimentação e sustentabilidade?
Natália Chede – As pessoas querem coisas para si próprias e para o mundo, mas não agem de acordo. As pessoas são violentas nas suas relações, se alimentam de forma violenta. Dou um exemplo sobre o que acontece com muitos ambientalistas hoje. Querem defender a Amazônia, mas comem a carne que vem da Amazônia. As pessoas ainda esperam que a solução venha de fora. Precisam parar de olhar para o próprio umbigo e fazer tudo só para o seu próprio bem. Hoje mesmo eu ouvi uma referência de uma pessoa dizendo: “Olha só o que eu fiz!”. Na minha cabeça veio logo uma imagem de uma onda imensa e alguém lá de cima falando: “Olha só o que eu fiz”. Ainda não parece que as pessoas entenderam que tudo que fazem uma hora vai voltar para elas.
Fonte - Publicado em 28.02.2011
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