É mais caro ser veg(etari)ano?

Por Sandra Guimarães

É mais caro ser vegetariano?
Algumas semanas depois de ter começado o blog escrevi pra minha querida amiga Potyra pedindo pra ela ler a seção “Tire suas dúvidas” e me dizer o que tinha achado. Potyra é uma das pessoas mais inteligentes e perspicazes que conheço e por não ser exatamente uma simpatizante do veg(etari)anismo, eu sabia que seu criticismo seria extremamente útil. Uma das coisas mais interessantes que ela disse, depois de ter lido o artigo, foi “Você devia falar dos custos de uma dieta vegetariana, se é mais caro do que uma dieta convencional…” Achei a sugestão da minha amiga ótima, porém acabei esquecendo o assunto.

Mas ao ler esse artigo no Vista-se, onde foi comentado o discurso do diretor da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), Fernando Sampaio, que afirmou “Vegetarianismo é coisa de elitista” e “Eu nunca vi um vegetariano pobre”, voltei a pensar no assunto. Alguns dias atrás uma leitora me escreveu dizendo que estava pensando em se tornar vegana, mas que o fato de ser mais caro e complicado acabava impedindo que ela adotasse um regime 100% vegetal. Então percebi que estava na hora de abordar esse mito que insiste em sobreviver no meio onívoro, a crença que é mais caro ser vegetariano.

É importante começar pelo começo: o que significa ser vegetariano e o que um vegetariano come? Quando vi o tal Fernando Sampaio dizer “vegetarianismo é coisa de elitista que tem dinheiro pra comer granola no café da manhã e jantar em restaurante japonês” pude constatar, mais uma vez, que a maioria das pessoas tem uma ideia completamente errada dos alimentos que compõe o nosso cardápio. É possível que ele acredite que vegetarianos comem peixe (por isso falou que jantamos sushi) e sei que, infelizmente, muitas pessoas ainda pensam como ele. Então vamos às explicações: vegetarianos comem verduras, frutas, hortaliças, feijões, cereais (arroz, trigo, aveia), oleaginosas (castanhas, amêndoas, nozes) e sementes (de girassol, de linhaça, gergelim). Ovo-lacto-vegetarianos comem tudo que mencionei acima, mais ovos e laticínios, mas vou falar aqui somente do regime vegetariano estrito pois é o que conheço melhor. (Essa terminologia te parece confusa? Veja maiores explicações aqui.)

Salada de feijão com milho
Qualquer pessoa que tenha entendido o que significa ser vegetariano deveria fazer o seguinte raciocínio: vegetais custam menos que alimentos de origem animal → além disso, os produtos vegetais de base (feijões e cereais) dobram ou triplicam de volume ao serem cozidos → logo ser vegetariano é mais barato. Porque será então que as pessoas continuam achando que ser vegetariano é mais caro? Quem só teve contato com o regime onívoro pensa que comida vegetariana é exótica, diferente, cara, difícil de encontrar e demorada de preparar, mas aqui vai a verdade pura e simples, diretamente da cozinha de uma vegana:

1- Eu compro os alimentos que compõem meu cardápio diário na feira (frutas, verduras, hortaliças e ervas) e na mercearia do meu amigo Tawfic (feijões, cereais, farinha, café, temperos, sementes e oleaginosas). De vez em quando passo em uma mercearia maiorzinha pra comprar macarrão, cacau e outros produtos que não são produzidos localmente. Se eu consigo ser vegana e me alimentar bem morando nesse fim de mundo, sem colocar o pé em um supermercado, a conclusão é simples: comida vegana é muito, muito fácil de encontrar.

2- De dois em dois meses, mais ou menos, visito uma loja de produtos orgânicos em Jerusalém e compro levedo de cerveja maltado, tofu, farinha de centeio, quinoa e sementes de chia. São produtos mais caros que os que compro normalmente em Belém, mas não são indispensáveis. Também aproveito as passagens pela Europa pra comprar outras delícias vegetais que não são vendidas aqui, porém vejo esses produtos como pequenas “extravagâncias gastronômicas”, não produtos de primeira necessidade. Fico feliz quando tenho a oportunidade de degustá-los, mas são totalmente dispensáveis. Conclusão: tofu é gostoso, quinoa é super nutritiva, mas ninguém precisa de comida esotérica (cara, difícil de encontrar) pra ser vegetariano.

3- Produtos veganos industrializados, como iogurte e leite de soja, hambúrguer e salsicha vegetais, pratos prontos, etc, são mais caros, mas estão longe de ser essenciais. Ao optar por alimentos naturais você economiza dinheiro e sua saúde agradece.

4- Verduras orgânicas são mais caras, isso é um fato. Mas embora eu esteja convencida que produtos sem agrotóxicos são muito melhores pra todos nós, vegs ou onívoros, um tomate comum é tão vegano quanto um tomate orgânico. Ser vegetariano não significa comer somente produtos orgânicos. Porém se compararmos um regime onívoro todo orgânico e um regime vegetal todo orgânico, o vegetariano gasta muito menos: carne, ovos e laticícios orgânicos são muito mais caros do que vegetais orgânicos.

5- Imagine o seguinte cadápio vegetariano (completo e equilibrado). Café da manhã: banana amassada com aveia e linhaça, pão e café. Almoço: feijão, arroz, couve refogada e salada crua. Lanche: suco de laranja batido com mamão. Jantar: sopa de legumes com macarrão. Parece caro? Agora inclua uma fatia de queijo e outra de presunto no café da manhã, um bife no almoço, um iogurte no lanche e um ovo (ou uma salsicha) no jantar. Quem gastou mais pra se alimentar, o vegetariano ou o onívoro?

Mujadara, prato palestino à base de lentilhas e arroz
Quando parei de comer animais, passei a gastar menos com comida. Sem o sushi da sexta à noite (senhor Sampaio, quem janta sushi é onívoro! ONIVORO!), o frango assado do sábado e o peixe do domingo, sem contar o presunto de peru consumido durante a semana, as despesas com comida diminuíram bastante na minha casa. Mas as coisas ficaram ainda melhores quando tirei os queijos, o iogurte, o leite, o creme de leite, o leite condensado e o sorvete do cardápio. Quando o veganismo entrou na minha vida, a conta no supermercado foi drasticamente reduzida. Com isso sobrou dinheiro pra aumentar a quantidade de verduras que eu levava pra casa e até mesmo pra fazer pequenas “extravagâncias gastronômicas” de vez em quando.

Eu ouvi minhas irmãs dizerem várias vezes “Não temos condições de comprar brócolis, acelga, couve…” Felizmente é possível ser vegetariano comendo legumes mais acessíveis, mas o que muita gente não entendeu é que cortando a carne, a salsicha, o presunto e o queijo (produtos que sempre aparecem no congelador e na geladeira das minhas irmãs, vale salientar), dá pra incluir mais vegetais no cardápio sem gastar nem um centavo a mais e provavelmente até fazendo economias. Eu passei de um regime onívoro pra um regime ovo-lacto-vegetariano, depois pra um regime vegetariano e posso garantir que é verdade. Minha carteira é testemunha.

Já ouvi pessoas reclamando que restaurantes vegetarianos são mais caros que os convencionais. Acredito que se você quiser comer comida vegetariana gourmet, vai ter que se preparar pra pagar o preço justo, mas isso também acontece nos restaurantes onívoros (um prato requintado em um restaurante chique custa mais do que uma fatia de pizza no fast-food). Mas as pessoas parecem esquecer que tem pratos vegetarianos em quase todos os restaurantes convencionais e que eles são sempre mais baratos que os pratos com carne. O meu restaurante preferido aqui em Belém vende saladas deliciosas, mutabal, hummus e tabuleh por 1/5 do preço de um espetinho de frango ou carne. Na última vez que passei pela França, almoçamos no restaurante do aeroporto antes de voltar pra casa e os bifes que meu sogro e meu cunhado pediram custaram o dobro do macarrão com legumes grelhados que eu, Anne e minha cunhada comemos.

Minestrone vegano: legumes, feijão branco e macarrão
As aberrações da indústria da carne (criação intensiva, confinamento, uso massivo de hormônios e antibióticos) acabaram produzindo produtos tão baratos que esquecemos que nossos bisavós comeram muito menos carne que nós e que na maioria dos países do mundo ela ainda é considerada como um produto de luxo. Aqui na Palestina, por exemplo, a base da alimentação é arroz, lentilha, grão de bico e legumes. Conheço muitas famílias que só comem carne uma vez por semana e algumas que só comem carne uma ou duas vezes por ano, nas ocasiões especiais. Quando contei que no Brasil se comia carne duas, às vezes três vezes por dia (lembrem-se que o presunto do seu café da manhã e a salsicha do seu jantar também são carne), eles ficaram horrorizados e me disseram “Não é saudável comer carne todo dia!”. Pois é, ainda tem esse detalhe que deveria entrar na contabilidade: vegetarianos sofrem menos com doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, entre outras doenças, logo gastam menos dinheiro com médicos. Mais uma vez vou falar por experiência própria. Depois de ter me tornado vegana minha saúde melhorou bastante, minha sinusite e crises de garganta, que me faziam sofrer desde a infância, desapareceram (descobri depois que o leite era o culpado) e raramente fico gripada. Conclusão final: não só a alimentação vegetariana é mais barata do que a onívora, mas também economizamos dinheiro ao diminuir as visitas ao médico e os medicamentos.

*As fotos que ilustram esse artigo são exemplos de refeições vegetarianas completas e equilibradas. Todas as receitas podem ser encontradas no blog Papacapim:

Harira (Sopa Marroquina com Grão-de-Bico e Lentilha)
Salada de Feijão e Milho
Mujadara
Minestrone

OBS: Quando escrevi o texto ontem esqueci de mencionar que Fernando Sampaio disse, durante o mesmo discurso citado acima, que quanto mais dinheiro as pessoas ganham, mais elas comem carne. Achou essa afirmação em total contradição com sua teoria de que ser vegetarianismo é coisa de elitista? Pois é, esse senhor não parece ser muito inteligente.

Fonte: Papacapim - 13.07.2011
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