Chef de tradicional restaurante francês mostra como a culinária vegana pode ser saborosa e sofisticada

Chef de tradicional restaurante francês mostra como a culinária vegana pode ser saborosa e sofisticada
Após trabalhar como designer dos 20 aos 32 anos, Daniel Biron, carioca e paulista de coração, decidiu jogar tudo para o alto e investir em sua grande paixão, a culinária. Com as mudanças de pensamentos e filosofias em sua vida, Daniel começou a questionar a função de seu trabalho e se aquilo realmente lhe dava prazer e alegria, mas foi só em 2008 que a largada para uma nova etapa foi iniciada.

Decidido a mudar de carreira, Biron começou um curso de administração de restaurante e logo em seguida resolveu investir na cozinha vegetariana. Certo de que precisava ir além para conquistar seus objetivos, mudou-se em 2012 para Nova Iorque, onde se formou como chef de cozinha na Natural Gourmet Institute (curso focado na culinária vegetariana, saudável e orgânica).

Hoje, responsável pela cozinha de um dos restaurantes mais famosos do mundo, localizado em Paris, Biron conversou com exclusividade com a repórter da ANDA, Natália Prieto, sobre sua missão no ativismo por meio da gastronomia, que é a de levar beleza e sabor à mesa das pessoas garantindo dignidade aos indivíduos de outras espécies.

ANDA – Qual é o maior desafio da culinária vegana?

Daniel - No subconsciente coletivo há uma associação da culinária vegana com a culinária natural e macrobiótica, embora comida vegana não seja necessariamente sinônimo de comida saudável. Este estigma contribui para o mito de que comida vegana é sem graça, ou apenas para quem segue uma alimentação saudável ou está de dieta. Essas ideias, e muitas outras, contribuem para o estereótipo do que é ‘ser vegetariano ou vegano’.

Os restaurantes vegetarianos no Brasil, com raras exceções, não inovam, não têm ambiente apropriado, não investem em serviço e rotulam-se com nome e “cara” de restaurantes vegetarianos. Sem julgamento de valor, respeito o conceito destes restaurantes, mas o público vegano é plural, com várias culturas, filosofias, tribos, religiões, profissões e necessidades sociais. Portanto, há uma demanda não atendida, e para nos aproximarmos de um público mais diverso seria bom livrar-nos destes rótulos.

É possível fazer uma culinária vegana requintada e gourmet se utilizarmos as ferramentas de marketing a nosso favor. Restaurantes são locais onde vivemos experiências e expressamos nossos hábitos. Não frequentamos apenas pela comida. A maneira como realizamos e apresentamos a culinária vegana influencia a percepção das pessoas. Mas sem aprofundar muito na questão filosófica, a comida tem que satisfazer e surpreender igualmente a vegetarianos e não vegetarianos. Sabor, ambiente e apresentação são elementos vitais nesta equação para que possamos incluir um grupo maior de pessoas. Precisamos quebrar estereótipos.

ANDA – Por que as pessoas ainda têm a visão de que veganos não comem bem ou possuem uma alimentação muito restrita?

Daniel - O que é comer bem? Comer de forma equilibrada segundo o modelo nutricional vigente promovido pelos governos; um cardápio avaliado por profissionais de saúde; a ideia propagada pela mídia e influenciada pela indústria; ou comer um pouco de tudo, mas sem exageros? Isso é muito relativo.

A visão de que não comemos bem é originada de hábitos culturais arraigados, ignorância e medo. Romper com as tradições alimentares assusta, incomoda e a resistência à mudança faz com que as pessoas ataquem o que desconhecem. O mito da proteína animal também tem forte influência.

A ideia de restrição e de privação está relacionada à cultura e religião. Algumas religiões “permitem” que seus seguidores consumam e sacrifiquem animais em função de suas visões antropocêntricas. Talvez para um asiático que coma macaco, cachorro e insetos, a alimentação ocidental em geral seja muito restrita, quando na realidade tudo depende da perspectiva cultural que encaramos.

Produtos resultantes da exploração e do sofrimento animal são amplamente comercializados e aceitos pela maioria das sociedades. Então, o raciocínio leva a concluir: se é “legal”, deve ser moral. A chancela do governo, da cultura e das religiões legitima o crime da matança dos animais e o transforma no crime perfeito. Os “consumidores” vêem no direito de escolha, um exercício de sua liberdade individual visto que animais e seus derivados são commodities, classificados simplesmente como produtos. Então, se é nosso direito, por que não o fazer? E se todos fazem, e não o fizermos, do que estaremos nos privando?

Os nossos sentidos são desde cedo condicionados a estes sabores, odores e texturas. A maior parte das pessoas prefere não saber o que existe por trás da indústria alimentícia e principalmente questionar seus hábitos antigos. Alguns preferem a alienação a abrir mão dos seus prazeres gustativos. Ouço isso constantemente e observo o que as pessoas comem. Anos atrás, quando consumia carne, minha alimentação era muito mais restrita do que hoje. Ao deixar de consumir produtos de origem animal veganos descobrem um novo e colorido universo de alimentos.

ANDA – É verdade que os pratos vegetarianos são mais caros?

Daniel - Depende. É claro que há ingredientes específicos que são mais caros, mas é possível seguir uma dieta vegetariana de maneira equivalente ou até mais em conta. Em casa, fazendo uso de frutas, legumes, verduras, cereais integrais, leguminosas, oleaginosas, cogumelos, orgânicos e sazonais podemos obter uma boa fonte nutricional com preços razoáveis e paladar atrativo.

Por outro lado, se utilizarmos produtos raros, importados, industrializados e refinados pagaremos mais caro.

Em restaurantes, de forma geral, pagamos pela concepção e elaboração do prato, pelos ingredientes, serviço, estrutura e conceito do local. Não vejo problema em elevar o preço de um prato quando ele é mais elaborado, mas não acho que os preços sejam mais altos em relação aos pratos equivalentes de proteína animal.

ANDA – Qual país pode ser considerado referência, mesmo que em partes, na culinária vegetariana?

Daniel - Por mais contraditório que possa parecer, em função de seu alto consumo de proteína animal, considero os Estados Unidos, mais especificamente Nova Iorque, como a maior referência da culinária vegetariana.

Nova Iorque é uma cidade extremamente multicultural, que oferece restaurantes veganos de diversas etnias como: tailandeses, chineses, japoneses, coreanos, vietnamitas, mexicanos, jamaicanos, franceses e norte-americanos. São Francisco e Portland (Oregon) também são referências. Fora dos Estados Unidos, Londres, Toronto e Berlin devem ser mencionados.

ANDA – Há muitos cursos sobre este tipo de culinária nos dias de hoje?

Daniel - Sim, mas a maioria fora do Brasil. Há profissionais que dão aula no Brasil, mas não são escolas especializadas como as que existem nos Estados Unidos e Inglaterra.

ANDA – Quais livros indica para iniciantes ou pessoas que desejam se aprofundar neste tema?

Daniel - Gosto muito do livro A Cozinha Vegetariana de Astrid Pfeiffer, pelo conteúdo, informação nutricional, beleza estética e praticidade.

Para quem quer se aprofundar recomendo os livros do restaurante Millennium de São Francisco, do Candle 79 em NY, Crazy Sexy Diet, Great Chefs Cook Vegan, The Conscious Cook, Eat Raw Eat Well, entre outros.

ANDA – Quais dicas pode passar sobre temperos utilizados na alimentação diária (básica) e que tornam as refeições mais saborosas?

Daniel - Experimente combinações diferentes. Visite lojas de especiarias e temperos e converse com os atendentes. Peça dicas. Compre pequenas quantidades de temperos secos, pois os mesmos, apesar de vida relativamente longa, também perdem seu aroma com o tempo.

Ao refogar o alho cuidado para não queimá-lo, pois seu gosto torna-se amargo.

Para adicionar ervas frescas às receitas opte por incluí-las no final do cozimento para aproveitar integralmente seu perfume e nutrientes, além de garantir beleza no elemento decorativo. Cuidado com o corte, pois algumas ervas ficam pretas rapidamente quando picadas.

Prefira baunilha em fava à essência. Apesar de mais cara, vale o investimento. O aroma é incrível.

ANDA – Crianças podem se sentir atraídas por esta culinária?

Daniel - Seguramente. Acredito que estética e sabor contribuem muito para aguçar o apetite das crianças. Talvez sejam necessárias algumas adaptações como diferentes texturas, métodos de cozimento e menos tempero. Uma alimentação saudável é totalmente ligada à educação dada pelos pais. Portanto se os pais seguem uma dieta vegana saudável é bem provável que as crianças façam o mesmo.

ANDA – Em sua opinião, quais ingredientes não podem faltar na hora de preparar um prato saboroso.

Daniel - Criatividade, harmonia e compaixão. Ser criativo é essencial. Experimentar novas receitas, combinar novos ingredientes, sabores, texturas, métodos diferentes de cozimento, novos cortes etc. A harmonia com a natureza propicia um sabor mais intenso ao utilizarmos o que a terra oferece como ingredientes frescos e orgânicos.

E é claro, ter compaixão e lutar pelos direitos animais. Não existe prazer maior do que saber que o que fazemos é ético, não gera o sofrimento e garante direitos morais básicos aos indivíduos não-humanos. O gosto é outro.

ANDA – Qual a melhor forma de difundir a culinária vegana?

Daniel - Acho que não existe melhor propaganda que uma comida linda, colorida, saborosa, livre de estereótipos e conceitos arcaicos.

Para difundir a mensagem do veganismo de maneira subliminar acho importante que haja um trabalho de inclusão de pratos veganos nos restaurantes convencionais. Havendo maior diversidade de pratos livres de ingredientes animais, abre-se oportunidade para que mais pessoas sejam atraídas para estes restaurantes. Uma maior oferta e distribuição de produtos veganos de qualidade também são importantes.

Sabor e ética podem e devem estar presentes em um belo prato vegano.

Fonte: ANDA - 28.11.2012

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