Rio+20 precisa questionar padrões de consumo de carne

Por Guilherme Carvalho

Rio+20 precisa questionar padrões de consumo de carne
Na iminência de sediarmos no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, uma pergunta segue sem resposta: será que a conferência e os outros eventos que giram em torno dela vão abordar com a devida prioridade o insustentável padrão de consumo de produtos animais que parece se espalhar como uma pandemia pelo mundo em desenvolvimento?

Os Estados Unidos (e a pequena Luxemburgo), liderando o ranking de consumo per capita de carnes com mais de 340 gramas de carnes por dia, são responsáveis por mais de 10% da pecuária mundial. Enquanto isso, a Índia, com seus mais de 40% de vegetarianos estritos, tem o menor consumo per capita de carnes do mundo — menos de 10 g de carne por dia. Segundo o jornal Times of India, esta é uma das principais razões pelas quais um cidadão estadunidense demanda, ao longo de um ano, cerca de 5 vezes mais grãos do que um indiano.

Infelizmente, a Índia é uma exceção (e mesmo ela já vê chegar uma influência considerável do padrão de consumo do Ocidente, com redes de fast-food proliferando como um câncer). Em outros países em desenvolvimento, como a maioria dos africanos e sulamericanos, come-se mais carnes ano após ano. O leste africano, cujo consumo vem crescendo — mas ainda não passa de 50 g por pessoa por dia —, teve em agosto de 2011 a infelicidade de ver o primeiro KFC (Kentucky Fried Chicken, rede de fast-food norte-americana) abrir em Nairobi, capital do Quênia.

Não é novidade que o consumismo norte-americano comece a se reproduzir em países em desenvolvimento à medida que a economia destes países cresce, mas o “consumismo de carne” parece passar bem mais despercebido do que outras formas de consumo exagerado — e, certamente, tende a receber muito menos atenção em fóruns internacionais como a Rio+20. Não obstante, os impactos do aumento do consumo global de carne são especialmente expressivos e múltiplos: sobre as mudanças climáticas, a exaustão e poluição de recursos naturais, as comunidades rurais, a saúde humana e o bem-estar animal.



O cerne do problema, para além do severo sofrimento de bilhões de animais, é a ineficiência no uso dos recursos alimentares disponíveis. Para cada quilograma de proteína animal a ser produzida, é necessário utilizar em média cerca de 6 quilogramas de proteína vegetal na forma de rações ou pastagem. Por isso, mesmo que desconsiderássemos todos os impactos ambientais advindos da criação, transporte, abate, processamento e refrigeração, consumir carnes já teria um impacto ambiental muito superior a consumir alimentos de origem vegetal. Por essa e outras razões, o consumo de produtos animais é uma das questões mais relevantes e estratégicas quando se discutem caminhos para a sustentabilidade.

Como sempre, a grande preocupação é a China — especialmente porque esse país viu seu consumo per capita de carnes quadruplicar em apenas 25 anos e o de laticínios aumentar em cerca de dez vezes no mesmo período. Se a China, com seus 1,3 bilhão de habitantes, atingir os padrões de consumo de carnes e laticínios dos Estados Unidos, o país demandará, sozinho, o equivalente a 80% da atual produção de carne de frango e 50% da atual produção de carne bovina.

Mas como está o Brasil nesse cenário? Ocupando a posição de 26º maior comedor de carne do mundo, o seu consumo per capita de carnes já equivale a dois terços daquele verificado nos Estados Unidos. Ou seja, o brasileiro come cerca de 220 g de carnes por dia — mais do que o dobro do que comia há apenas 30 anos. Exceto pela satisfação de uma gulodice inconsequente, só há desvantagens nisso. Temos mais propensão a doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, confinamos e matamos muito mais animais, e causamos um impacto ambiental muito maior.

Desde o surgimento da agricultura, há cerca de 10 mil anos, as necessidades nutricionais dos seres humanos são essencialmente as mesmas. Entretanto, apenas nos últimos 40 anos o consumo de carnes passou a ser algo tão exacerbado e desmedido — não pelo surgimento de uma necessidade, mas pela consolidação dos métodos industriais de criação de animais (as “granjas-fábrica”) e a conseguinte manipulação dos nossos costumes alimentares.

Na Rio+20, a maior conferência da ONU de todos os tempos, cujo tema central é a “transição para uma economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza”, negligenciar a crucial discussão sobre o padrão de alimentação do mundo parece uma enorme irresponsabilidade. Um movimento independente e horizontal chamado Rio+Veg pretende chamar atenção e influenciar a postura daqueles que se dizem preocupados com o futuro do planeta, levando-lhes a mensagem da redução do consumo de carnes e outros produtos animais e propondo um novo paradigma alimentar — uma alimentação consciente, inteligente, compassiva e sustentável.

Guilherme Carvalho (@gcarvalholeal) é Coordenador do Departamento de Meio Ambiente da Sociedade Vegetariana Brasileira e Gerente de Campanhas da Humane Society International no Brasil

Fonte - 09.05.2012

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